Sábado, 10 de agosto de 2024 - Por Lidia Torres
Pesquisa aponta potencial da cafeicultura para balanço positivo de carbono
Imagem Pesquisa aponta potencial da cafeicultura para balanço positivo de carbono

A sustentabilidade na agricultura é um dos maiores desafios globais da atualidade. Com o café posicionado como a segunda bebida mais consumida no mundo, a pressão por práticas ambientalmente responsáveis na cafeicultura tem crescido significativamente. Em apoio a essa demanda, a Cooxupé, maior cooperativa de cafeicultores do Brasil, apoiou um estudo para investigar o balanço de carbono em suas fazendas, visando identificar práticas eficazes para alcançar a meta de zerar o balanço de carbono - ou seja, compensar todas as emissões - entre seus cooperados. Em entrevista, Renata Gonçalves e João Paulo da Silva, pesquisadores do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagri), compartilham os desafios, os resultados e as perspectivas futuras dessa pesquisa, que é ligada ao projeto Coffee Change. Lidia: Qual é a formação de vocês e como foi sua trajetória profissional até chegar nesse projeto de sequestro de carbono na cafeicultura? Renata: Eu trabalho no Cepagri há 11 anos. Na Unicamp, estou desde 2005. Sou engenheira cartógrafa e sempre trabalhei com sensoriamento remoto e séries temporais de imagens de satélites. De um tempo para cá, a gente retomou as pesquisas no café e teve a oportunidade de trabalhar com carbono. Esse projeto surgiu de uma observação sobre a necessidade de cafeicultores e cooperativas, como a Cooxupé, trabalhar e fazer o balanço de carbono nas plantações. Isso porque empresas como Nestlé, Nespresso e Starbucks estavam exigindo que o trabalho dos produtores fosse o mais sustentável possível e tivesse carbono zero na plantação, pois elas já estavam correndo atrás do carbono zero na indústria. Paralelamente a isso, resolvemos submeter um projeto ao edital universal do CNPQ. A Priscila [Coltri] liderou a escrita do projeto Coffee Change, no qual estamos trabalhando em várias frentes: o carbono, os grupos focais, o risco econômico e as mudanças climáticas. Acho que estamos obtendo resultados bem interessantes. Este é o panorama geral da história da submissão e do trabalho. João Paulo: Eu sou engenheiro agrônomo formado na UFSCAR. Fiz meu mestrado também no Cepagri com o professor Jurandir [Zullo] e estou finalizando agora meu doutorado, também com o professor Jurandir, sempre trabalhando com análise de dados, principalmente de dados remotos e de modelos meteorológicos e climáticos. Mas, ao longo do meu período de estágio na Embrapa, que fica no mesmo prédio do Cepagri, tive a oportunidade de começar a trabalhar com modelos de balanço de carbono e, desde então, mantive essa linha de atuação em conjunto. Lidia: Na pesquisa sobre o balanço de carbono na cafeicultura, vocês analisaram cafeicultores vinculados a programas de sustentabilidade da Cooxupé ou amostras de cooperados em geral? Renata: Então, quando nós fizemos a coleta de solos, ficou acordado que pegaríamos cinco fazendas que estivessem no protocolo de sustentabilidade do programa Gerações da Cooxupé. Essas fazendas selecionadas são fazendas mais estruturadas, que têm um plantio de alta qualidade, algumas são produtoras de café especial. Quando analisamos o banco de dados de solos, pegamos dados de cerca de 1.800 fazendas do sul de Minas como um todo, geramos uma curva para mostrar a relação entre o carbono no solo e a idade do café e implementamos essa curva na Ferramenta GHG Protocol¹. E aí, para fazer a aplicação da ferramenta nas propriedades, a Cooxupé selecionou 11 fazendas. Essas 11 propriedades são bem variadas e todas fazem parte do programa de sustentabilidade, mas algumas já estavam mais estruturadas e outras nem tanto. Então, nessa terceira etapa, houve uma variação de propriedades de acordo com as práticas agrícolas, mas todas do programa [Gerações], não teve nenhuma fora dele. Lidia: Como a metodologia GHG Protocol foi utilizada no projeto? João Paulo: O GHG Protocol é uma metodologia de quantificação de emissões de gases de efeito estufa em empreendimentos econômicos. Não estamos falando só de propriedades agrícolas. Essa metodologia nasceu no início dos anos 2000, e tem como objetivo promover a mensuração dessas emissões para melhorar a gestão em torno dos processos e produtos utilizados em toda a cadeia desses empreendimentos, sem prejudicar a produtividade. No Brasil, como temos uma vocação agrícola e uma estrutura ambiental complexa e diferente da Europa, havia a necessidade de construir uma ferramenta que considerasse as particularidades do ambiente agrícola tropical. Então, em parceria com a WRI Brasil, a Embrapa e a Unicamp firmaram uma parceria para construir uma ferramenta que considerasse no balanço de emissões em atividades agrícolas dentro da porteira, as variações e particularidades do ambiente tropical brasileiro. Isso também ajudou a elucidar questionamentos sobre a sustentabilidade do Brasil, que até então era dimensionada com base em parâmetros de clima temperado que, aplicados aqui, ajudavam a promover um discurso negativo para o agronegócio brasileiro. Nesse momento, surgiu a necessidade de fazer uma adaptação específica para a cafeicultura, considerando processos da lavoura, como o beneficiamento e as particularidades do crescimento da planta em relação a outras espécies. Essa foi a principal motivação. Consideramos as emissões promovidas pela queima de combustível, mas essas não são as principais fontes de emissão no ambiente agrícola, desconsiderando a pecuária. Os adubos nitrogenados têm a principal contribuição para a intensificação do aquecimento global. Renata: Uma coisa que também vale ressaltar é que essa ferramenta, além do balanço de carbono, consegue apontar quais produtores precisam melhorar suas práticas agrícolas, seu manejo. Ela vai mostrar, por exemplo: "Olha, você está emitindo muito por conta do excesso de combustível", ou "Você está emitindo muito por conta do excesso de adubação". Então, essa ferramenta consegue, além de fornecer o balanço de carbono da propriedade, mostrar onde o produtor precisa mudar suas práticas na plantação para melhorar e ter uma emissão menor de carbono, uma emissão aceitável. Isso permite várias tomadas de decisões no campo. Lidia: A pesquisa tem mostrado que as fazendas cafeeiras podem contribuir positivamente para a saúde do solo e estocar carbono. Quais foram os resultados mais notáveis do estudo? João Paulo: Sim, a gente identificou que as propriedades cafeeiras têm um saldo negativo nesse balanço de carbono, o que significa que estão mais sequestrando carbono da atmosfera do que emitindo. Esse é um resultado que encontramos e que outros trabalhos também encontraram. Saldo negativo significa algo positivo do ponto de vista da sustentabilidade. Mas é preciso usar esse saldo negativo e essas potencialidades sustentáveis do café para adequar o manejo em busca de maiores produtividades, remoção de CO2 da atmosfera e redução de perdas econômicas. Também é preciso entender que a variação do carbono que encontramos mostrou uma perda de carbono após cerca de 15 anos da implantação da lavoura. Então, é necessário adotar práticas que reduzam a perda desse carbono no solo para sustentar essa mitigação adquirida ao longo dos anos. Renata: O café sequestra carbono, então é uma cultura muito parecida com uma floresta, por ela ser perene. Mas tem essa questão da idade. Até 15 anos ele vai sequestrar, sequestrar, sequestrar, e depois de 15, esse armazenamento de carbono começa a cair. Então, tem que se pensar em novas práticas para manter esse carbono no solo e na planta da melhor forma. De maneira geral, os dados coletados nas propriedades para o preenchimento da Ferramenta GHG Protocol e os resultados obtidos mostraram saldo negativo, que é sequestro de carbono. Lidia: Durante as pesquisas de campo, vocês observaram alguma prática específica dos cafeicultores que ajuda na retenção de carbono? Renata: Muitos produtores estão deixando mais matéria orgânica no solo, como palha e folhas. Isso aumenta a matéria orgânica e ajuda a reter carbono no solo. Algumas fazendas também estão reduzindo o uso de adubos nitrogenados, o que contribui para um menor impacto ambiental. João Paulo: O que aumenta o carbono no solo é justamente a manutenção da matéria orgânica no solo, para decomposição. Também fazer uso de culturas de cobertura e adubação verde para decomposição no solo. Além de toda essa questão envolvendo crédito de carbono, a matéria orgânica traz como benefício o aumento da capacidade de troca catiônica², que melhora a eficiência da adubação, deixando os nutrientes mais disponíveis para a planta absorver. Isso contribui com a planta e com o produtor porque reduz a quantidade de adubo aplicado. Lidia: Vocês mencionaram a questão dos custos e retornos para os produtores. Existe algum estudo sobre isso? Renata: Eu não sei se tem. Mas uma coisa que percebemos é que, quando aplicamos os questionários da pesquisa de risco econômico e risco climático, outra frente do projeto Coffee Change, na Femagri³, pegando produtores de diversos lugares aleatoriamente, a percepção em relação às mudanças climáticas mudou. Há mais de 25 anos, a equipe do Cepagri já falava sobre os impactos das mudanças climáticas na cafeicultura, como aumento de temperatura, geadas fora de época e secas prolongadas, mas os produtores sempre negaram, chamando de "conversa de cientista maluco". Agora, nos últimos cinco anos, observamos que eles estão assustados e preocupados, principalmente porque isso mexe no bolso do produtor e na cadeia do café, gerando prejuízos financeiros. Apesar de fugir um pouco do tema do carbono, a questão da mudança climática está interligada. São coisas que andam juntas. João Paulo: Não fizemos esse estudo para o café. Mas são vários os aspectos a serem considerados. Fertilizantes nitrogenados são caros, e a substituição por fontes alternativas propõe uma redução desse custo. Mesmo assim, a mudança do paradigma produtivo para modelos mais eficientes requer investimentos para os quais o produtor vai precisar do apoio de parceiros,como a própria Cooxupé, ou créditos e incentivos governamentais. Além disso, existe a barreira cultural que precisa ser superada pelos próprios produtores para a realização dessa transição. Além do financeiro, o apoio técnico nessa fase é fundamental para se obter o saldo positivo a médio e longo prazos.
¹GHG Protocol: O que é A metodologia GHG Protocol (Greenhouse Gas Protocol) é um padrão global para mensurar, gerenciar e reportar emissões de gases de efeito estufa (GEE). Desenvolvida pelo World Resources Institute (WRI) e o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), essa metodologia é amplamente utilizada por empresas, governos e instituições de pesquisas para calcular as emissões de GEE de um local. No contexto agrícola, como na cafeicultura, a metodologia GHG Protocol pode ser adaptada para levar em conta as particularidades das atividades agrícolas, como o uso de fertilizantes, práticas de manejo do solo e as emissões associadas ao cultivo e processamento das colheitas. O GHG Protocol é uma ferramenta essencial para organizações que buscam gerenciar suas emissões de GEE de forma eficiente e transparente, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas globais.
²Trocas catiônicas: O que são Trocas catiônicas referem-se ao processo pelo qual os cátions (íons com carga positiva) são trocados entre a solução do solo e as partículas de solo. Este processo é fundamental para a fertilidade do solo, pois influencia a disponibilidade de nutrientes que são essenciais para o desenvolvimento saudável de plantas. Capacidade de Troca Catiônica (CTC): A capacidade de troca catiônica é a medida da capacidade do solo de reter e fornecer cátions às plantas. Solos com alta CTC podem reter mais nutrientes, como cálcio, magnésio e potássio, tornando-os mais disponíveis para as plantas.
³Femagri: O que é Feira especializada em máquinas, implementos, equipamentos, ferramentas e suprimentos para o setor agrícola, com foco principal na cafeicultura. Organizada pela Cooxupé, a Femagri é realizada anualmente, no município de Guaxupé, Minas Gerais.
Lidia Torres é pós-graduanda em Jornalismo Científico pelo Labjor/COCEN

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